A crise e os caminhos para superá-la
Texto: Redação Revista Anamaco
Diante dos desafios causados pela pandemia da Covid-19, muitas dúvidas surgem, diariamente, sobre diversos aspectos da atual situação pela qual o mercado, o País e o mundo passam. Para trazer luz a estas questões, a Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) promoveu uma videoconferência em seu canal no YouTube, com vistas à troca de informação sobre a crise para a qual ninguém estava preparado.
Participaram o presidente e o superintendente da entidade, Geraldo Defalco e Waldir Abreu, respectivamente; o diretor superintendente da Astra, Manoel Flores; o diretor da financeira do Banco Santander, André Novaes; o deputado federal e presidente da Frente Parlamentar de Comércio e Serviços, Efraim Filho; o economista da Fecomercio e assessor econômico do Sincomavi-SP, Jaime Vasconcelos; José Maciel, Pedro Maciel e Daniel França, advogados da Advocacia Maciel; o tributarista Ricardo Castagna; e o CEO da Prospecta Obra, Wanderson Leite.
As discussões visaram apontar caminhos e cenários para o setor nos próximos meses, tendo em vista que as lojas de material de construção ainda não são consideradas atividades essenciais em algumas regiões do País, portanto são impedidas de atuarem diante das medidas de confinamento. Crédito, digitalização e eficiência foram os pontos mais relevantes.
Um dos temas de maior destaque foi a dificuldade de liberação de crédito para empresas enfrentarem a queda no consumo, assunto que recebeu atenção especial do deputado Efraim Filho, que considera tardia a reação do Governo Federal diante da pandemia e prejudicial a politização da crise. Ainda assim, ele acha que é necessário salvar vidas, mas também é preciso buscar alternativas para defender empregos e empresas.
A ajuda emergencial aos mais vulneráveis poderá contribuir para o consumo, especialmente no segundo ou terceiro mês, quando as necessidades mais básicas estiverem mais sob controle
Em sua avaliação, o deputado levantou três pilares: a rede de proteção social, com defesa de empregos e empresas, que tem necessidade de maior coordenação, especialmente no que se refere a crédito. “Há dinheiro, mas não chega na ponta. São R$ 40 bilhões empossados”, disse. Isto porque os bancos consideram altos os riscos de concessão de financiamentos, diante do atual cenário, e haveria a necessidade de inclusão de outros elementos de crédito, como empresas adquirentes (que operam POS - máquinas de cartão de débito e crédito), operadoras de cartão e fintechs, que com dados financeiros de seus clientes, teriam condições de dividir os riscos e contribuir para a simplicidade do processo.
Efraim Filho destacou, também, a ajuda emergencial aos mais vulneráveis, que poderá contribuir para o consumo, especialmente no segundo ou terceiro mês, quando as necessidades mais básicas estiverem mais sob controle e houver espaço para manutenções nos imóveis. “É um dinheiro que não vai para poupança e representa um aumento no Bolsa Família. O dinheiro está chegando e reforça a economia”, observou.
O terceiro ponto são os Estados e Municípios, que precisarão de compensação dada à queda na arrecadação no período e o aumento de gastos especialmente na saúde. “A economia tem recebido atenção, mas trinta dias não é muito e espero que haja ação mais coordenada no segundo mês”, disse. O deputado reconhece que o cenário político não é dos mais favoráveis, mas acredita que deva prevalecer o meio termo. “O setor produtivo, as entidades setoriais, as empresas têm de pautar as autoridades pelo bom senso, é hora de pensar juntos”, conclamou.
Abreu lembrou que, uma vez que muitas lojas não estão em funcionamento, os revendedores precisam ter fôlego financeiro para manter o negócio e vislumbrar o panorama que haverá à frente.
Crédito e meios digitais
À frente de uma instituição financeira, que atua na concessão de crédito ao consumidor por meio de lojas de material de construção e outros segmentos, Novaes explicou as ações do Santander para ajudar seus cerca de 2,5 milhões de clientes ativos a passar por esse período mais difícil. “Estamos conseguindo renegociar os débitos, postergando parcelas, sem afetar o rating (pontuação), de forma que possam manter sua capacidade de captação no futuro”, contou. Além disso, a instituição tem intensificado a tomada de créditos por meio de ferramentas digitais. “Estamos facilitando a tomada de crédito, e esta é uma tendência. Com a crise, as pessoas acabaram se digitalizando mais”, analisou.
O diretor da financeira Santander acredita que haverá uma bolha de consumo devido às restrições, com necessidades que deverão ser retomadas em algum momento e precisarão de crédito. “Estaremos com crédito nas lojas. Estamos ampliando nossa presença no varejo de material de construção em parceria com a Juntos Somos Mais e com reforço das operações digitais. Crédito é alavanca no setor”, ressaltou, lembrando que o trabalho da instituição no setor vinha num crescente desde o ano passado e deverá ser continuado.
As soluções digitais também são vistas como importantes por Flores, não só diante do atual cenário, como também pelo desenvolvimento do setor. Diante dos números registrados nas últimas semanas, encontrar novos caminhos de negócios pode ser oportunidades de retomada. “De acordo com a Abramat, depois das indústrias de material de construção fecharem março com crescimento, a primeira semana de abril o consumo caiu a 30% do que era”, lamenta. “Fizemos ajustes na empresa. Nas últimas duas semanas, já percebemos uma pequena retomada, o que nos faz pensar que pode haver algum crescimento”, observou.
O diretor da Astra demonstrou preocupação com o aspecto político, mas espera bom senso. Ele reconhece que os setores produtivos reagem de forma diferente e considera que a manutenção das atividades de construção, principalmente em São Paulo, é um sinal positivo de manutenção do ritmo de alguns segmentos. “A queda que era de 70%, agora passa a 50%. A inadimplência que nos preocupa teve forte elevação num primeiro momento e já dá sinais de recuo. Todos estão fazendo sua parte como podem e crédito é importante para os lojistas tocarem o negócio”, salienta Flores. Nesse panorama, o executivo percebe que o comércio digital ganha corpo e promete novidades da empresa nos meios virtuais.
As empresas de menor porte são as que mais empregam e as que mais precisam de apoio nesse momento
Os resultados registrados pelo Fecomercio e pela Sincomavi reforçam a queda citada por Flores. “Nesta crise sem precedentes e sem horizonte, estamos avaliando o tamanho do problema. Houve uma queda de 60% do faturamento nominal do varejo. De acordo com a Serasa, a queda foi de 21% em março sobre fevereiro”, disse Vasconcelos. “A derrocada aguda, no entanto, começa a se estabilizar para podermos entender como se dará a retomada”, comentou.
Vasconcelos lembra que o varejo de material de construção vinha num crescente, chegando ao patamar de 2013, antes da crise econômica vivida pelo País nos últimos anos. A expectativa é que possa haver a retomada do ritmo para compensar a queda atual. Ele reforça que são as empresas de menor porte as que mais empregam e as que mais precisam de apoio nesse momento. “Precisam de capital de giro e têm dificuldade de gestão e crédito”, disse.
Para ele, ainda não é possível estabelecer um cenário preciso, mas ele percebe que quem tem atendimento além do balcão, usando meios digitais, está enfrentando melhor as dificuldades. E foi adiante. “O profissionalismo na gestão ajuda a crescer e a criar oportunidades. Temos de trabalhar para orientar, informar e formar os lojistas para terem mais eficiência, porque na crise os ineficientes são os que mais saem do mercado”, avaliou.
Medidas necessárias
Na área jurídica, Pedro Maciel ressaltou a importância das medidas provisórias editadas pelo Governo Federal para ajudar empregados e empregadores a superarem a crise, mantendo os empregos. “Por mais que algumas medidas possam ser consideradas inconstitucionais, neste momento elas são benéficas e vão ajudar”, disse, acreditando que outras deverão ser criadas.
José Maciel, por outro lado, chamou a atenção para a falta de prevenção jurídica das empresas, que tomam decisões sem a garantia de que estão em total acordo com as leis vigentes ou que possam dar margem a contestação, assim como algumas decisões governamentais.
Já França, que atua na área do consumidor, alerta para a ocorrência de quebra de contratos, que exige bom senso, uma vez que ambos os lados devem ser considerados durante a crise. Ele reforçou, entretanto, que muitas questões estarão sujeitas a avaliação, mas que se faz necessário o apoio da administração pública para fazer a economia girar e para que o consumidor tenha incentivo para comprar. “É preciso flexibilizar e fazer com que o crédito chegue ao consumidor para que possa renegociar suas dívidas”, disse.
O cenário desenhado na esfera tributária também não foi muito positivo. De acordo com Castagna, o déficit primário do País que em 2019 foi de R$ 95 bilhões pode chegar a R$ 600 bilhões neste ano, um recorde histórico, explicado pelo socorro aos brasileiros, aos Estados e municípios, à queda de arrecadação e às facilidades tributárias concedidas durante a crise, situação que pode abalar o risco de crédito do Brasil no futuro.
É preciso flexibilizar e fazer com que o crédito chegue ao consumidor para que possa renegociar suas dívidas
Apesar das postergações de pagamento de impostos e contribuições, que podem aliviar o caixa das empresas, o tributarista afirma que não há mágica na recuperação. “O governo afirma que manterá os planos de privatização e PPPs, não há condições políticas de aprovação da reforma fiscal na forma como está proposta, mas são ações de retorno a médio e longo prazo e há proposta de criação de empréstimo compulsório, que nunca deram certo”, analisou.
Nesse momento, a recomendação de Castagna é que os empresários revisem os tributos pagos nos últimos anos, pois é possível que haja valores pagos a mais ou pagamentos indevidos, que podem ser resolvidos rapidamente e retornar em forma de abatimento para a empresa.
Neste momento, olhar não só para dentro, mas observar o entorno em busca de oportunidades pode ajudar a superar a queda nas vendas. Esta é a proposta da Prospecta Obra, que mapeia as obras em andamento e a serem iniciadas oferece informações relevantes a lojistas para que possam identificar oportunidades de conquistar mais clientes e vendas. “O confinamento traz muitas mudanças no comportamento digital e pode ser uma oportunidade para o lojista começar a se conectar, se relacionar, ir ao cliente, se posicionar diferente nesta nova era", finalizou Leite.
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