CNC ingressa com Ação Direta de Inconstitucionalidade, no STF, para suspender Lei das Bets
Texto: Redação Revista Anamaco
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ingressou, em 24 de setembro, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a Lei 14.790/2023, conhecida como “Lei das Bets”.
A entidade argumenta que a nova legislação, que regulamenta as apostas de cota fixa no Brasil, está causando graves impactos sociais e econômicos e solicita, em caráter liminar, que o STF suspenda a eficácia da Lei até que o mérito da questão seja julgado, a fim de evitar maiores danos ao comércio e à economia do País.
De acordo com estudo realizado pela CNC, entre 2023 e 2024, os brasileiros gastaram, aproximadamente, R$ 68 bilhões em apostas, valor que representa 22% da renda disponível das famílias no período. E mais de 1,3 milhão de brasileiros já se encontram inadimplentes devido às apostas em cassinos on-line.
Segundo a ação, a disseminação desenfreada das apostas on-line estaria criando um ciclo de dependência, principalmente entre os mais vulneráveis, o que tem levado à redução do consumo de bens essenciais e afetado diretamente o comércio.
A Confederação revisou para baixo sua projeção de crescimento do setor varejista em 2024, de 2,2% para 2,1%, reflexo direto do desvio de consumo das famílias para as apostas. Estima-se que o comércio possa perder até R$ 117 bilhões por ano em faturamento devido ao crescimento dessas atividades. A ADI alerta para o crescente envolvimento de menores de idade nas apostas, facilitado pelo uso de celulares e aplicativos.
A ação argumenta, também, que a lei não estabelece medidas eficazes para combater o vício em jogos, o que contribui para o agravamento do endividamento das famílias e os transtornos psicológicos relacionados ao jogo compulsivo. A CNC pede que a lei seja declarada inconstitucional, apontando violações aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da ordem econômica e da proteção à saúde.
Carta ao presidente Lula
A CNC encaminhou, ainda, um ofício ao presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em que manifesta grande preocupação com o crescimento descontrolado das apostas on-line no Brasil, em especial dos cassinos virtuais.
O mesmo documento foi entregue ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, bem como aos Ministérios da Fazenda e da Justiça, além dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados.
José Roberto Tadros, presidente do Sistema CNC-Sesc-Senac, destaca que o impacto negativo das apostas on-line é evidente, pois o desvio de parte significativa da renda das famílias para esse mercado afeta, diretamente, a economia de todo o País. “Precisamos de uma solução que proteja o bem-estar da população e o equilíbrio dos negócios”, defende.
Regulamentação dos cassinos físicos
Diante do cenário de incertezas e perdas, a CNC reforça a necessidade de uma regulamentação adequada para os cassinos físicos no Brasil. Para a Confederação, essa medida, ao contrário dos cassinos on-line, promove benefícios reais para a economia. “A regulamentação dos cassinos físicos poderia gerar até um milhão de empregos diretos e indiretos, além de R$ 22 bilhões em arrecadação anual para o governo”, afirma Tadros, acrescentando que, diferentemente dos cassinos on-line, que têm drenado a renda das famílias, os cassinos físicos podem estimular o turismo e o desenvolvimento econômico de forma mais sustentável.
Apostas via Pix e com recursos do Bolsa Família
Diante das evidentes perdas econômicas, o Banco Central, a partir da solicitação do Senador Omar José Abdel Aziz (PSD-AM), realizou o estudo “Análise técnica sobre o mercado de apostas online no Brasil e o perfil dos apostadores” para mensurar o tamanho do mercado de jogos de azar e apostas online no Brasil.
O BC ressalta que essa análise apresenta desafios, já que muitas das empresas que operam jogos de azar e apostas online, o fazem sob nomes que não correspondem aos divulgados na mídia, e várias delas não estão corretamente classificadas no setor econômico apropriado (CNAE 9200-3/99, relacionado à exploração de jogos de azar e apostas). Isso exige uma identificação criteriosa. Além disso, muitas dessas empresas não atuam, exclusivamente, no setor de apostas, podendo ser substituídas ao longo do tempo, o que torna a análise ainda mais complexa.
A instituição frisa, ainda, que os resultados são estimativas, sujeitas aos riscos dos pressupostos adotados, e são preliminares, dado que o aprofundamento da análise ainda está em desenvolvimento.
Dessa forma, conforme o que foi apurado, a estimativa é de que cerca de 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas, realizando ao menos uma transferência via Pix para essas empresas em agosto.
Em relação ao perfil dos apostadores, a maioria tem entre 20 e 30 anos, embora as apostas sejam realizadas por indivíduos de diferentes faixas etárias. O valor médio mensal das transferências aumenta conforme a idade: para os mais jovens, o valor gira em torno de R$ 100 por mês, enquanto para os mais velhos o valor ultrapassa R$ 3.000 mensais, de acordo com os dados de agosto de 2024.
Ainda em relação ao perfil dos apostadores, estima-se que, em agosto de 2024, 5 milhões de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do Bolsa Família (PBF) enviaram R$ 3 bilhões às empresas de aposta utilizando a plataforma Pix, sendo a mediana dos valores gastos por pessoa de R$ 100. Dessas pessoas apostadoras, 4 milhões (70%) são chefes de família (quem de fato recebe o benefício) e enviaram R$ 2 bilhões (67%) por Pix para as bets.
Esses números se originam de um primeiro levantamento feito pelo BCB, com base em estimativas de valores apostados em agosto de 2024 a partir de transações via Pix. Para identificar as pessoas em grande vulnerabilidade financeira, utilizou-se a informação de beneficiários do PBF existente em dezembro de 2023. Cerca de 17% desses cadastrados apostaram em período. A proporção de apostadores é praticamente o mesmo quando se examina apenas quem de fato recebe o benefício governamental, os chefes de família. Esses resultados estão em linha com outros levantamentos que apontam as famílias de baixa renda como as mais prejudicadas pela atividade das apostas esportivas.
Tema em debate no Senado
O Plenário do Senado discutiu, em 23 de setembro, os impactos do mercado de apostas on-line no Brasil, as chamadas “bets”. Os parlamentares alertaram para o crescimento do vício em jogos e para o uso de benefícios sociais no pagamento das apostas. O senador Izalci Lucas (PL-DF) criticou a falta de controle do governo e destacou que a regulamentação em tramitação no Senado ainda não oferece soluções eficazes.
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