Como gerir a alta demanda na retomada
Texto: Redação Revista Anamaco
A Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco), por meio da série de vídeo conferências Cenários Matcon, trouxe à discussão, no último dia 14, o tema “Como gerir a alta demanda na retomada econômica”. Os bons resultados registrados pelos varejistas do setor de material de construção são fatos bastante positivos em um cenário de crise provocada pela pandemia do coronavírus, mas também representa desafios para as empresas, especialmente as indústrias, que levam mais tempo para ajustar a produção.
Participaram do encontro virtual o CEO da Rofe Distribuidora, Thagore Fernandes de Oliveira; o diretor Comercial da Pado, Nathan Bampi; o diretor Comercial da Gomes de Matos Consultores Associados (GMCA), Guilherme Pequeno, e do presidente da Anamaco, Geraldo Defalco, com a mediação do diretor de Comunicação da entidade, Átila Lira.
Pesquisa realizada pela Cielo aponta para a reversão da queda das vendas verificadas nos meses de março (-17, 6%) e abril (-10,4%) deste ano, com crescimento médio de 11,9% entre março e final de agosto. Entre 30 de agosto e 05 de setembro, o índice de alta chega a 37,5%. Diante disso, Lira questionou sobre a durabilidade dessa tendência e os desafios às empresas.
Para Pequeno, é difícil definir, mas reconhece que o brasileiro quer ter sua casa própria e melhorar o ambiente onde vive, o que pode proporcionar crescimento ao setor acima de outros setores econômicos, como vem ocorrendo nos últimos quatro anos. “Acredito que o crescimento se mantenha entre 8% e 12% até dezembro de 2021. A pandemia trouxe valorização dos espaços dentro de casa”, disse.
No entanto, segundo ele, toda grande demanda traz atritos, como falta de produtos ou aumento de preços e o momento é de proporcionar ao cliente uma jornada sem atritos, se vai ocorrer falta de produtos, que seja sinalizado, para que o cliente veja a empresa como parceira confiável. ”Se conseguir evitar atritos, na alta demanda, quando todo o mundo está com problemas, evitando rupturas e oferecendo atendimento personalizado e soluções, é possível fidelizar o cliente, que tende a se manter assim até que ocorra uma frustração”, explica.
Na avaliação de Pequeno, as empresas estão preparadas em seus processos e estruturas, para se manter competitivas e atrair o consumidor. Para fidelizar, as empresas precisam boa compra, bom merchandising e destacar o produto no cenário.
Bampi concorda com a tendência de crescimento do mercado, uma vez que a Pado, depois de ficar 20 dias sem produção, registrou nos últimos três meses crescimento acima de 40% sobre o tradicional, superando as expectativas, com aumento do índice de ocupação da capacidade produtiva. “A tomada de decisão rápida é fundamental. Nos vimos no grande desafio de priorizar a saúde das pessoas e da empresa. Não deixamos de faturar e abastecer o mercado. Em junho, a maior demanda começou a acontecer para a indústria e precisava ser administrado com cuidado. Tomamos algumas medidas, como venda conforme histórico do cliente, não fizemos programações ou grandes vendas. Com isso, recuperamos o momento de crise, com crescimento de 15% no ano”, afirmou.
A Pado está com a capacidade tomada em cadeados e fechaduras e programa investimentos em aumento de produtividade e em automação para abastecer o mercado, sem ruptura. Aliado a isso, de acordo com o executivo, a empresa está atuando com transparência e levando informação aos clientes. “Temos de tomar cuidado e não nos iludirmos”, disse.
Esses desafios afetam, também, o segmento atacadista. Na Rofe, o mês de abril foi abaixo da meta, mas maio apresentou recorde de vendas, que exigiu esforços para ajeitar a casa, segundo Thagore. “Pensamos que seria somente uma demanda reprimida, mas em junho crescemos 107% e veio o caos, porque nenhuma empresa está preparada para dobrar o faturamento de um dia para outro. Tivemos problemas logísticos, atraso nas entregas, mas agimos rápido. Contratamos mais de 20 caminhões, colocamos mais 50 pessoas na empresa em um mês, e em julho já estávamos com as entrega em dia”, contou.
A Rofe seguiu batendo recordes de vendas em julho e agosto e conseguiu, agora, melhorar o nível de estoque, embora a dificuldade em prever a demanda torne os planejamentos mais complicados.
Defalco lembrou que se o setor não tivesse sido considerado essencial, talvez, a realidade do setor fosse outra e que as expectativas iniciais eram negativas, o que não levava ninguém a prever a virada e a demanda astronômica. “Algumas variáveis ajudaram, como o auxílio emergencial, a baixa da taxa Selic, a manutenção da casa pelo faça você mesmo. A curva que não cessou e continua crescendo. É uma surpresa boa e precisamos fazer o possível para que o segmento todo gere emprego e renda, para que possamos crescer sustentavelmente e planejar com mais dados e mais números”, disse.
Crédito, preços e política
Na avaliação de Pequeno, o período pode ser dividido em quatro fases - confusão, aceitação e adaptação, preparo para a retomada e a retomada propriamente dita – e são três os principais riscos nesse momento – crédito, inflação e instabilidade politica, que reflete no dólar e na credibilidade do Brasil.
Para o consultor, o grande desafio é um modelo de gestão estratégica que permita que a empresa não fique “surfando numa onda” que sobe e desce. “Empresas que conseguem manter crescimento cinco pontos acima da inflação por cinco a quinze anos conseguem postergar sua longevidade por uma geração no mínimo. Para isso, precisam trabalhar no mundo do E não do OU - fidelização e aumento de receita, cliente satisfeito e melhoria de margem, crescimento e lucratividade. E a transformação digital veio ajudar”, disse.
Ele explicou que a transformação digital não é ter um site, um app ou um e-commerce, mas aumentar a produtividade com a mesma equipe sem aumento de custo considerável. “É hora de colocar o cliente no centro da estratégia, manter o crescimento, engajar o colaborador e gerenciar no mundo do E e trabalhar aumento de receita e equilíbrio de custo”, observou.
Para Thagore, é difícil, agora, uma jornada sem atrito, mas com menos atrito. “É preciso ter transparência. Muitas indústrias não estão nem abrindo os estoques a seus representantes. Alguns players estão abusando um pouco, há indústrias que estão passando aumentos de 50%. É preciso pensar lá na frente. A oferta vai subir”, comentou. “Nossos representantes visitam semanalmente os clientes, que são atualizados sobre o cenário atual, precisa ter comunicação constante com a equipe de venda”, contou.
Bampi reconhece que alguns clientes não conseguem entender o aumento de preços. “Cadeado, por exemplo, sofre os efeitos do dólar e do cobre, que aumentou até 100%. Como não repassar? Com trabalho de redução de custo, digitalização, conseguimos sair mais leves da crise e não tivemos necessidade de repassar todo o custo. Estamos fazendo a tarefa de casa”, revelou o executivo.
O diretor da Pado considera o momento instável, mas que deve passar e é fruto de uma demanda reprimida e da pandemia. “É momento de ter calma, ser transparente e justo com cliente e consumidor. Uma estratégia é lançar produto de forma orgânica e certa. Inovação está aí, trazer novidades ao mercado”, afirmou. “Não conseguimos controlar a lei de mercado, mas deve se equilibrar e a economia deve andar novamente nos trilhos”, completou Defalco.
Pequeno lembrou que o auxilio emergencial fez toda a diferença no segmento de material de construção, mas acabará e a demanda deverá recuar, ajudando a regular o preço. O câmbio deverá cair, também, com a retomada de outros países, como a China.
Outro ponto levantado na live foi a decisão por investimentos. “O que determinará é o estudo de mercado, estratégia bem definida e visão de longo prazo. Ao invés de ampliar capacidade produtiva, pensaria em aumentar minha produtividade, acho que é cedo aumentar fábrica”, disse o consultor. “Cenário e oportunidade existe, mas o aspecto político é decisivo em qualquer negócio. Os caminhos são investir em infraestrutura e déficit habitacional, mas para isso precisa de política pública. Agora, é preciso focar em fidelização”, analisou.
A Pado vem focando em produtividade, nos últimos dois anos, segundo Bampi. A inovação tornou-se uma das estratégias da empresa e o aumento de mix está ligado a esse fator. “Temos um índice de inovação traçado para o próximo ano, que deverá representar 10% do faturamento com produtos novo”, revelou. A empresa tem feito gerenciamento de sua carteira de pedidos de forma a para atender ao máximo possível de clientes.
O otimismo, entretanto, tem sido o mote dos empresários. Para Thagore, 2020 será de bom índice de crescimento, que em 2021, deverá se estabilizar ou recuar em relação à demanda atual, ficando superior ao ano anterior. “Durante a pandemia, cortamos investimentos em ativos e terceirizamos a frota e começamos a vender na Paraíba, a partir de uma joint-venture com a Mercante Distribuidora, pela qual vamos atender Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco”, revelou.
Ao finalizar o encontro, Pequeno destacou que a grande oportunidade está em contribuir para um País mais produtivo e entrar no mundo da transformação digital para não sofrer impacto de custos, focando também na fidelização de cliente.
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