Economia em pauta
Texto: Redação Revista Anamaco
O segundo dia de conteúdo do Econ Nordeste Ceará 2024 começou com a palestra “O ser humano no centro do mercado 5.0”, ministrada por Newton Guimarães, fundador e pesquisador da Fundação de Dados de SP. Em sua apresentação mostrou dados apurados pela Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com um recorte para o varejo ampliado do qual o comércio de material de construção faz parte.
De acordo com os números apresentados, no primeiro semestre deste ano, a vendas do varejo ampliado registraram crescimento real de 4,3% e nominal de 6,7% na comparação com mesmo período do ano passado. Nesse cenário, o comércio de material de construção cresceu 2% (real) e 1,5% (nominal).
O palestrante lembrou que, em 2023, o setor de material de construção teve retenção no aumento de preços, já que o segmento estava desaquecido. “Agora, que o mercado está crescendo, as indústrias começam a repassar os aumentos para o varejo”, explicou.
Guimarães observou que, embora, estejamos vivendo o período pós-pandemia ainda há uma influência do cenário de 2020 e 2021, período da crise sanitária de Covid-19.
Em 12 meses - de junho de 2024 até julho de 2023 - o crescimento real do material de construção é de 0,9%. “Os dados do IBGE, independentemente da base de comparação, comprovam que o setor está crescendo”, salientou.
O pesquisador destacou que, no Brasil, o mercado de trabalho está aquecido, com a taxa de desemprego no menor nível desde 2014, há ganho no salário médio real, há expansão em alguns Estados, sobretudo no Nordeste, por conta da injeção do Bolsa Família e benefícios de distribuição de renda e o relançamento do Programa Minha Casa, Minha Vida. Tudo isso impacta no mercado da construção e no varejo. “Em alguns locais, o setor está ‘de lado’ e em outros está crescendo mais. Há uma tendência de melhora”, pontuou.
Ainda segundo a PMC, as vendas no varejo de material de construção cresceram 4,4% no primeiro semestre. “Em termos percentuais, o comércio de material de construção está puxando a alta do varejo brasileiro”, destacou.
Guimarães citou outro estudo, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), que aponta que, nos primeiros seis meses deste ano, dos imóveis verticais comercializados no Brasil, 50% são enquadrados no Minha Casa, Minha Vida, o que demonstra que o programa está impactando na performance do segmento.
O pesquisador disse que, em 2022, havia uma crença de que o consumidor havia antecipado a demanda em 2020 e 2021 durante a pandemia. Mas, segundo ele, isso não aconteceu porque o varejo de material de construção continuou crescendo. “O segmento está maior do que no período pré-pandemia. Não devolvemos o que ganhamos”, garantiu.
Para endossar essa afirmação, Guimarães mostrou que o setor de material de construção cresceu, nominalmente, 56,5% sobre o período pré-pandemia, enquanto o varejo em geral registrou alta de 46,8%. “Também em termos nominais estamos puxando o crescimento do varejo brasileiro”, disse.
Segundo ele, a expectativa é de que o material de construção registre crescimento real de 4,1% este ano e de 2,3% em 2025. “Essas são as perspectivas com as condições que temos hoje”, lembrou.
Falando, especificamente, sobre o tema da palestra “O ser humano no centro do mercado 5.0”, o palestrante apresentou dados revelando qual o comportamento de consumo, os maiores motivadores e entraves quando se fala em compra de material de construção.
De acordo com pesquisa “Painel comportamental do consumo de material de construção”, realizada pela Fundação de Dados de São Paulo, com pessoas que fizeram obras residenciais, cerca de 70% do sell out do varejo advém de compras para obras e reformas residenciais, enquanto 30% são pequenos reparos, manutenção e melhorias domésticas.
O levantamento realizado em maio, revela que 80% das reformas residenciais são feitas em casas e há aumento, ano após ano, da participação dos apartamentos. Essas reformas, segundo o estudo, em sua maioria, são de banheiros, lavabos e quartos, seguidos por salas, copa e cozinha. “Se o lojista entender o comportamento do consumidor, entende o mercado”, disse.
Ainda segundo o estudo, a indústria da reforma brasileira é feita por quem, predominantemente, já morava no imóvel. Há, ainda, aqueles que compram material de construção para imóveis novos.
A pesquisa indica, ainda, que a loja física ainda é o principal canal dos consumidores e que o maior incômodo em uma reforma são sujeira, barulho e desconforto para a família. Apesar dos transtornos, as maiores motivações para fazer a obra são o conforto, deixar a residência mais bonita e resolver problemas. “Não sejam vocês as pessoas que lembram que há problemas na casa. Nunca venda um problema para o cliente. Venda a alegria, conectem-se com o sonho e não com o pesadelo”, ensinou.
Impactos da Reforma Tributária
Na sequência, foi realizado o painel: “Impactos da Reforma Tributária”, mediado pelo jornalista Wellington Nunes e com a participação de Luiz Gastão, deputado Federal (PSD-CE); Cássio Tucunduva, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco); Mauro Saccomani, diretor Executivo do Grupo Construbrasil; e Emílio de Morais, tributarista e presidente do Conselho de Finanças e Tributação (Cofin) da Federação da Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).
Em sua apresentação, Gastão lembrou que ele é um dos sete deputados que discutiram e aprovaram, no âmbito da Câmara Federal, a regulamentação da Reforma Tributária. Ele contextualizou pontos para compreensão da Reforma.
Na sua avaliação, seria mais importante, primeiro, ter discutido a Reforma Administrativa e, depois, a Reforma Tributária ampla, que engloba todo o regime de tributação. “Essa reforma é complexa porque mexe na relação de consumo, na estrutura do País e nos conceitos que vão nortear para onde vai o Brasil”, salientou.
Segundo ele, o que foi aprovado foi o imposto sobre o consumo e não sobre a renda. “O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, está tramitando no Senado. Aprovada no Senado, retornará para a Câmara, que terá a palavra final. Qualquer modificação que seja feita pelo Senado pode ser derrubada pela Câmara. Por fim, vai para a sanção presidencial. É importante ter o entendimento desse contexto”, explicou.
O deputado lembrou que os sete deputados que participaram dos grupos de estudos da Reforma Tributária se dividiram e fizeram o maior número de audiências públicas da história do Congresso Nacional para discutir um projeto em meses de negociações para discutir o texto.
Tucunduva, na sequência, falou que o comércio tem dificuldades, que não são sazonais, com a quantidade de impostos no País e que vão contra o empreendedorismo. O presidente da Anamaco frisou que o sistema tributário é complexo. “Com a Reforma Tributária, acreditamos que haverá mais clareza sobre o que está se pagando de impostos”, disse.
Tucunduva frisou que a Anamaco tentou incluir a cesta básica de material de construção, composta pelos principais produtos na construção de uma casa, no texto da Reforma. “Concordamos que o que apresentamos não estava totalmente correto. Por isso, estamos refazendo o trabalho de uma forma mais consistente. Sabemos que deverá voltar para os deputados para uma nova avaliação e contamos com o apoio do deputado. Precisamos da cesta básica para combater o déficit habitacional”, reforçou.
Saccomani, por sua vez, enfatizou que a Reforma Tributária facilitaria o entendimento, diminuiria o tamanho das estruturas contábeis e fiscais e permitiria entender o tamanho do arcabouço de impostos. “O setor de material de construção representa entre 9% e 11% do Produto Interno Bruto (PIB) e não é preciso fazer muita conta para entender que o segmento, desde a origem até o produto final, movimento quase R$ 1 trilhão no País”, destacou.
O executivo lembrou que a cesta básica de material de construção existe desde 2006 e foi um incentivo que foi concedido e regulamentado por lei. “O pedido é que a isenção da cesta seja mantida”, acrescentou.
Por fim, Morais lembrou que em 2024 e 2025 os deputados estão reparando a legislação para que seja implementada a partir de 2026. Ele frisou que não gosta do termo Reforma Tributária – lembrou que reforma causa problemas – e que prefere chamar de nova legislação. “A pior parte já passamos. O que estamos vendo agora é como será o fluxo financeiro. A Reforma não vai agradar a todos, principalmente nesse período de definições”, destacou.
Segundo o tributarista, as empresas precisam se preparar porque, a partir de 2028 até 2032, serão substituídos o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). “Minha sugestão é que mantenham a equipe que têm e que conhecem os impostos que serão substituídos e tenham outra equipe para começar a estudar os novos tributos”, sugeriu.
Cenário Econômico
Para finalizar a grade de conteúdo, Samuel Pessoa, doutor em Economia pela USP e chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), apresentou a palestra “Cenário Econômico”.
O palestrante iniciou sua apresentação frisando que para falar sobre a economia brasileira é preciso falar sobre a economia americana. Sendo assim, na primeira parte destacou o cenário econômico nos Estados Unidos e a trajetória de desinflação daquele país. “Os Estados Unidos, apesar de serem 20% da economia mundial - já foram 50% no pós-guerra - não perdeu peso como local em que se forma o custo do capital. A taxa financeira de Nova Iorque é a mais importante do mundo e a taxa de juros internacional é formada na praça financeira americana”, explicou. Dessa forma, entender o que acontece na economia americana e tentar enxergar qual será a trajetória futura e a política monetária daquela economia é essencial para desenhar o que vai acontecer no mundo.
Pessoa lembrou que a pandemia de Covid-19 foi um conjunto de choque de ofertas, que não foi só em função da pandemia. Além da desorganização das cadeias produtivas locais globais, a crise sanitária fez as pessoas ficarem em casa, frearem o consumo de serviços e passaram a comprar TVs, fazerem pequenas reformas, comprar equipamentos de ginástica, mobiliário. “Naquele momento, sobe a demanda por bens e cai a demanda por serviços”, observou.
Além disso, houve três anos seguidos de La Niña, que culminaram com queda de produção de grãos na Argentina, Uruguai, Paraguai e no sul do Brasil, o que causou escassez de alimentos. Ao mesmo tempo, começou a guerra da Rússia contra a Ucrânia, um dos celeiros do mundo.
Ainda na pandemia, os governos com orçamentos, mundo a fora, pressionados porque precisaram fazer política de transferência de renda para que as famílias pudessem manter, minimamente, sua subsistência, o que gerou choque de demanda. “Naquele momento, aconteceu o primeiro pico inflacionário no Hemisfério Norte desde a década de 1980”, explicou.
Isso gerou uma resposta dos Bancos Centrais do mundo todo. Nos Estados Unidos, a taxa de juros que era zero subiu para 5,5% e continua nesse percentual. Apesar da pandemia, houve seguidas surpresas positivas na atividade americana, que se mostrou forte.
O palestrante lembrou que, no ano passado, a economia americana teve sete leituras positivas da inflação - de junho a dezembro - , que teve um comportamento favorável. Dessa forma, com a inflação em queda, o Banco Central diminui juros. “No final do ano passado, havia a perspectiva de que, este ano, haveria seis quedas de 0,25% percentuais cada uma e taxa de juros cairia para 4% e sinalizando mais queda para o ano que vem. Essa expectativa gerou um bem estar. O mundo todo tinha a perspectiva de que o juro americano vai cair a 1,5%”, comentou.
Quando começou 2024, a expectativa não se confirmou e foram três leituras “salgadas” da inflação de janeiro a março, desarmou o que era esperado e começou a parecer que, este ano, haveria somente um corte. Nesse cenário, tudo se reverte: o dólar se desvaloriza contra todas as moedas - menos o Real - e há revisão da taxa de juros.
De abril para julho, a inflação ficou mais “comportada” e, aparentemente, os Estados Unidos retomaram uma trajetória de desinflação. “Se o Banco Central americano demora muito a tomar uma decisão, provoca recessão. Ele precisa fazer uma sintonia de movimento de queda de juros. Quando estiver convencido de que a dinâmica da inflação está colocando a inflação na meta, tem que começar a baixar os juros já. Provavelmente, em setembro, inicia um ciclo de queda”, explica.
Nesse cenário, Pessoa salienta que, até o final do ano, a política monetária americana vai ajudar o Brasil.
Segundo ele, a economia política brasileira impede que o País viva situações extremadas com níveis de desorganização da macroeconomia, que se vive Venezuela e na Argentina. Isso porque a forma como democracia brasileira funciona faz com que o eleitor brasileiro puna o político que é visto como responsável por inflacionar a economia. “Se a macroeconomia vai bem, quem colhe os louros é o presidente da República. Do contrário, é ele também que se dá mal. Assim que funciona nossa economia política e os políticos sabem disso. Isso evita grandes desorganizações econômicas. Esse é o primeiro princípio básico sobre o Brasil”, ressaltou.
Pessoa frisou que o terceiro mandato do governo Lula não parece que tem como objetivo arrumar o País e prepará-lo para um novo ciclo de crescimento. Na sua avaliação, o presidente Lula é extremamente inteligente, é a maior liderança popular da história do País, o político brasileiro mais bem-sucedido, mas que ele envelheceu mal. “O Lula está envelhecido e isolado, mas a impressão que dá é que ele quer reconstruir a sua imagem”, observou.
O palestrante salienta que o Lula, para não perder a popularidade, “rasgou” o livro texto da ciência política. Segundo ele, o ciclo político da despesa pública determina que o governante inicie a gestão com o pé no freio, arruma a casa, colhe no futuro e chega bem para a reeleição. “O Lula fez a bondade de uma vez só quando colocou R$ 170 bilhões de forma permanente no orçamento do Tesouro. Ele foi bem-sucedido, a popularidade não caiu, mas ele criou um problema fiscal para ele mesmo. O resultado prático disso é que entre dezembro de 2022 e dezembro de 2026, a dívida pública vai crescer 12% percentuais do PIB. Por isso, 2027 será um ano difícil. O presidente Lula testa os limites dele de fazer gastos fiscais”, disse.
Segundo ele, a ótima notícia é a Reforma Tributária que, na opinião do palestrante, é a reforma estruturante mais importante depois do Plano Real.
Pessoa frisou que está com uma visão otimista sobre o Projeto de Lei Orçamentária, que o ministro Fernando Haddad enviará ao Congresso na próxima semana e também está otimista com a avaliação de execução fiscal deste ano, que ocorrerá em meados de setembro. “Acredito que não haverá mudança na meta de superávit primário este ano. O IBGE deverá divulgar, em 03 de setembro, o resultado da economia no segundo trimestre. A expectativa é que a economia tenha crescido 0,9% sobre o primeiro trimestre. Se compararmos com o segundo trimestre de 2023, a alta ficará em torno de 2,5% e a minha previsão para o ano é algo em torno de 2,7%. Deveremos ter três altas de Selic. A economia está em plena capacidade”, frisou.
A pergunta é: o que o governo Lula deve fazer para chegar na melhor forma possível em 2026 e chegar bem no processo eleitoral? Na opinião do palestrante, ele terá que fazer um ciclo de ajustamento macroeconômico no meio do mandato: subir a taxa de juros e permitir desaceleração do crescimento de gastos. “Estou aqui brincando de Deus e pensando o que o presidente tem de fazer daqui para a frente para chegar o melhor possível em 2026”, finalizou.
A noite de encerramento contou com esquenta com o cordelista Tião Simpatia e show da Banda Mel de Caju.
Fotos: Simone de Oliveira/Grau 10 Editora