Ética e sustentabilidade no varejo matcon
Texto: Redação Revista Anamaco
Dando sequência à série Talks, a Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) realizou, no dia 24, mais um encontro virtual, desta vez com o tema "Ética e Sustentabilidade no Varejo de Material de Construção". A vídeoconferência contou com a participação do professor convidado da Fundação Getulio Vargas e consultor de organizações, Ivanildo Macêdo; do presidente da Associação dos Comerciantes de Material de Construção (Acomac) do Espírito Santo e proprietário da Tinbol Tintas, Lesio Contarini Jr; e do presidente da entidade, Geraldo Defalco, que considera o assunto um dos pilares da entidade e indispensável para o progresso do País.
Com a mediação de Waldir Abreu, superintendente da Associação, Contarini iniciou sua participação afirmando que ética não deveria ser um adjetivo, como ocorre no Brasil, e sim um princípio básico, sem as pessoas precisarem externar que são éticas. “Não é fácil ser ético em um país em que se induz a ter um jeitinho. Temos de encantar nossos clientes e nos colocarmos no lugar deles. Nesses 46 anos de atividades da Tinbol, se não tivéssemos ética, não teríamos sobrevivido. A palavra vale mais do que a assinatura. Temos de lutar para sermos assim, para as futuras gerações terem um País melhor”, disse.
Em seguida, Macêdo descreveu as questões e graus de maturidade pessoal e empresarial que envolvem a ética, que classificou como base para o sucesso de qualquer empresa. Logo de início, o professor fez uma provocação: por que uma pessoa que sabe o certo pode não fazer o certo?
Segundo ele, ensinar o certo não é garantia que a pessoa vá praticar o certo. Em seus estudos, ele definiu a teoria dos estágios de maturidade do raciocínio moral, que ajuda a entender o comportamento das pessoas. “Fazer o certo é uma questão de competência. Ninguém é competente se a pessoa não conhecer o certo, ter habilidade na aplicação do que conhece e força interna para aplicar. Essa aplicação depende de um jogo entre as forças que tenho e as forças exercidas pelo ambiente. Às vezes, quero fazer o certo e o ambiente não permite”, disse.
Macêdo explicou que o entendimento do que é justo não é igual para todos e são seis os estágios de compreensão. No primeiro, o raciocínio segue a ideia de que não é justo eu ser punido se fiz o que você mandou. O segundo baseia-se na crença que só está justo quando meu interesse pessoal está atendido. No terceiro, faço parte de um grupo e todos têm o mesmo direito. O quarto segue a linha de que é justo que eu tenha direito a tudo o que está na regra. No quinto, é baseado na ideia de é justo que eu tenha direito porque está na regra e a regra foi democraticamente estabelecida. E no sexto, é justo que eu tenha direito porque todo ser humano tem direito.
Cada estágio de compreensão leva a determinado comportamento. “A leitura que as pessoas fazem é outra, a maioria não analisa as consequências morais do que faz e não entende para o que serve uma regra moral. Ela foge do castigo, procura atender a seu interesse ou acompanha o grupo. Cerca de 70% a 80% do povo brasileiro estão nesses estágios, os três primeiros”, observou o professor.
Na sua concepção, o que garante o funcionamento da sociedade e a manutenção da coletividade e da ordem é a regra moral e as pessoas entendem isso a partir do estágio quatro. No estágio cinco, as pessoas avaliam e a regra é debatida em conjunto. O último estágio é a consciência de princípios éticos universais e não exige educação formal.
Outro aspecto a ser considerado, segundo o professor, é a cultura ética da organização, que se dá em três estágios: o pré-convencional, marcada pela visão e ações de curto prazo, o autoritarismo, conflitos, interesses pessoais e onde os fins justificam os meios. Convencional, no qual o paternalismo rejeita o novo e não se mexe no que está funcionando, as promoções por competência técnica predominam, as pessoas seguem exemplo das autoridades, há motivação pelo cumprimento de regras e a pessoa se preocupa com a instituição.
No pós-convencional, ações e a visão são de médio e longo prazo, as minorias e diferenças são respeitadas, as decisões são democráticas e os conflitos resolvidos com diálogo. Há respeito aos direitos humanos, motivação pelo comprometimento com o interesse de todos e predominam as pessoas nos estágios 5 e 6.
Dentro das organizações, explicou Macêdo, há vários tipos de pressão, sejam da liderança, equipes, clientes, gestores, etc, o que levam as pessoas a não agirem como acham que é certo. Para ele, o problema não é a ideologia, mas como a ideologia é aplicada. “Uma empresa é dita sustentável quando tem sustentabilidade econômica, ambiental e social. Porém, se houver sustentabilidade cultural, uma postura ética pós-convencional, isso não se sustenta”, ressaltou.
As pessoas em estágio mais avançado dessa maturidade nem sempre conseguem agir em benefício de todos e talvez faça um bem menor, mas nunca o mal. Uma pessoa evoluída é capaz de escolher as melhores estratégias diante das adversidades. Por isso, as empresas precisam agir no processo seletivo, para identifica candidatos de raciocínio moral elevado, empáticas, com maturidade emocional e que sejam capazes de ser solidários. “São estágios de aprendizado”, disse.
Contarini Jr. explicou que a ética é um dos pilares da Tinbol. “Todos recebem cartilhas com as diretrizes da empresa. É difícil, esbarramos com coisas erradas e as pessoas querem nos induzir a fazer coisas diferentes. Temos de saber sair da situação, não basta muitas vezes dizer não, pois há risco de ser excluído. Precisa ser político. O pensamento precisa ser centrado e trabalhar para ser ético e não fazer o que não quer que façam para você”, avaliou.
Na análise de Defalco, a ética não pode ser tratada somente no campo financeiro ou nos ‘jeitinhos’. “Envolve desde separar o lixo reciclado, recolher a sujeira do cachorro, não jogar lixo em terreno baldio. Sempre digo se dá para fazer a pergunta básica: consegue contar isso para sua mãe? Se não consegue, não está certo”, comentou.
Segundo Macêdo, é preciso respeitar o modo como as pessoas raciocinam e nunca perder a oportunidade de punir uma pessoa com justiça e dignidade. Não é fácil, mas é fundamental. Da mesma forma, a organização precisa alinhar seu sistema de recompensa de curto prazo com a prática de fazer o que é certo, porque aqueles que estão no estágio dois vão querer fazer o certo por interesse próprio, por exemplo.
O professor apresentou os resultados de pesquisa realizada com 750 alunos de MBA no Brasil, sobre o padrão de raciocínio moral. De acordo com o levantamento, 82% das pessoas estão no estágio um, enquanto 7% estão no estágio seis. Do total, 45% das empresas estão no estágio pré-convencional, 35% no convencional e 25% no pós-convencional. Dessas pessoas, 51% estão nos estágios 1 a 3 e veem o risco como ameaça e 49% estão nos estágios 4 a 6 e os veem como oportunidades. “No Brasil, é preocupante o maior índice de maturidade das empresas estar no estágio pré-convencional”, lamentou. A pesquisa apontou, ainda, que cerca de 60% não praticam a empatia e somente 4% se recusaram a descumprir regras técnicas de segurança e outras 4% sempre cumprem regras morais; 6% afirmaram punir o descumprimento de regras morais, o mesmo índice dos que afirmam valorizar o cumprimento de regras.
O professor aconselhou as pessoas a praticarem a empatia emocional. “É por onde começa e é um gatilho que vai impactar outras necessidades. Coloque na agenda do dia: o que fiz para ajudar outra pessoa sem interesse pessoal”, disse.
Outra orientação de Macêdo a quem quer se desenvolver é sempre levar em consideração como estamos atingindo as pessoas e o quanto uma decisão vai continuar sendo boa ao longo do tempo. Além disso, é relevante ter compromisso com o aprendizado, em melhorar. “Se coloque no lugar do outro. Pergunte sempre: o que faço é o melhor que posso, vai perdurar?”, ensinou, salientando, também, que a alta administração precisa dar o exemplo e as pessoas do estágio um precisam estar cientes que haverá punição.
Ao concluir, Contarini reconheceu não ser fácil perceber esses estágios, mas é preciso fazer o que a consciência manda, ajudar o próximo, respeitar a hierarquia dos mais velhos e trabalhar vários pontos. “É preciso fazer com prazer, de coração, para contagiar as pessoas”, finalizou.
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