Vacina, o remédio para a retomada
Texto: Redação Revista Anamaco
Pouco mais de um ano após a primeira morte por coronavírus ser confirmada no País e um ano depois das primeiras determinações de isolamento social, com fechamento do comércio e paralisação de muitas atividades, os economistas fazem as contas para colocar na ponta do lápis os prejuízos causados pela crise sanitária no Brasil em 2020.
No começo deste mês de março, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do último trimestre do ano passado e o fechamento de 2020.
De acordo com os dados apurados, o PIB recuou 4,1% em relação ao 2019, o que representou a menor taxa da série histórica iniciada em 1996. Apesar da retração, o indicador ensaiou uma retomada de outubro a dezembro, período em que registrou alta de 3,2% em comparação ao trimestre anterior.
Ana Maria Castelo, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), lembra que, no início da pandemia, as projeções feitas por organismos como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, grandes consultorias e também pelo FGV IBRE mostravam que o indicador teria uma queda muito mais forte e a expectativa era de que a retração pudesse chegar a 8%. Mesmo pessimismo envolvia o mercado de trabalho e as projeções diziam que a taxa de desemprego chegaria a 18%. “Encerramos com o PIB negativo em 4,1%, com desemprego na casa dos 14%. Os números foram menos ruins do que o que se projetou, mas isso não tira o fato de que foi um tombo muito grande”, ressalta a economista.
Na sua avaliação, a queda foi menor devido às medidas adotadas pelo Governo Federal, como o auxílio emergencial e o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda, que criou a Medida Provisória (MP 936/20), permitindo a redução de salários e jornada de trabalho ou a suspensão por um período pré-determinado, conseguindo, assim proteger e preservar os empregos. Além disso, o adiamento do pagamento de dívidas, segundo ela, deu fôlego para Estados e municípios para que continuassem a investir. “Foram várias medidas que, no final, tiveram como efeito mitigar a crise, levando a esse resultado menos ruim”, analisa.
Olhando no detalhe, Ana Maria destaca que um resultado que chamou atenção, de forma negativa, foi o desempenho da construção, que despencou 7%. Essa performance, segundo ela, tem de ser vista com reserva. Isso porque os indicadores que o IBGE considera para fazer essa estimativa são produção física da indústria e massa de rendimentos no setor. “A informalidade foi muito afetada nessa crise, o que puxou os números para baixo. Além disso, o resultado da indústria no ano passado foi levemente negativo (-0,3%), mostrando um descompasso do que aconteceu com o comércio. Com as pessoas dentro de casa, houve uma onda de reformas, melhorias e adaptações em função das circunstâncias, que repercutiram, fortemente, no comércio de material de construção”, explica.
Essa observação é facilmente comprovada com os números apurados pelo IBGE. De acordo com Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), o varejo de material de construção cresceu 10,8% no ano passado, mas recuou 1,8% em dezembro em relação a novembro.
A economista comenta que o fenômeno, que causou um descompasso entre as vendas e a produção industrial, foi reduzido no último trimestre por conta dessa desaceleração das vendas no varejo. “A indústria foi, paulatinamente, recuperando sua produção. Com isso, no último trimestre, as duas curvas - indústria e comércio - foram se aproximando mais”, destaca.
Ana Maria explica que, embora as reformas tenham sido importantes na demanda de material, o impacto dentro do PIB da construção não se fez sentir. Por isso, o resultado negativo. Mas olhando o setor por um outro prisma, não há um desempenho tão ruim quanto o PIB sugere porque tem a procura das famílias pelo material de construção, que teve um grande desempenho em 2020, a demanda das construtoras que, embora tenham sentido a crise em um primeiro momento, como o segmento foi considerado essencial, as empresas puderam retomar. O ano eleitoral também movimentou os investimentos em infraestrutura e o mercado imobiliário, em alguns lugares, como São Paulo, que vinham num movimento de retomada, também repercutiram.
Outro ponto a favor da construção foi o número de vagas geradas. Apesar da crise, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, mostram que o setor da construção foi a atividade que gerou o maior saldo líquido positivo no ano passado. Segundo o que foi apurado, o setor gerou 112.174 empregos em 2020.
Futuro ainda incerto
No final do ano passado, o comércio já começou a sentir os efeitos da ausência do auxílio emergencial. Segundo a economista, neste primeiro trimestre, os números devem ser mais negativos, refletindo a falta desse recurso e a não retomada das atividades. “A indústria continua com nível de produção para recuperar estoque que ficou muito baixo, enquanto o comércio está reduzindo seu desempenho”, explica.
Ana Maria frisa que o governo teve uma ação importante em termos de mitigação dos impactos econômicos, mas que não fez o principal, que foi garantir a vacina. “Sem vacina não tem como pensar que vamos sair disso”, reforça.
Ela lembra que, no fim de 2020, havia uma expectativa boa com a possibilidade da vacinação, a redução do ritmo de contágio e o cenário era mais otimista. Entretanto, ao contrário da esperança, a pandemia assumiu uma dimensão maior e está indo tudo pelo “ralo” e, agora, os instrumentos para amenizar os impactos econômicos são muito menores. “O auxílio emergencial que está se desenhando deverá ser menor e atenderá a um número mais reduzido de pessoas. Além disso, há um cansaço da população, que faz com que as medidas necessárias de isolamento social não façam mais tanto efeito. Precisamos de isolamento e vacina e nada disso temos”, lamenta.
Diante desse novo cenário, a economista observa que as incertezas ainda estão muito grandes e fica difícil traçar um cenário. Ela reforça que, sem vacinação, fica difícil imaginar o que vai acontecer. Ana Maria observa que mesmo com a volta do auxílio emergencial, não haverá o impacto que teve no ano passado, mas é possível que o comércio consiga sustentar algum nível de crescimento em função do desempenho do mercado imobiliário em 2020, que surpreendeu. “Seja o apartamento novo ou não, quem muda sempre tem necessidade de realizar reformas. Alguma coisa ainda deve ser observada nesse sentido, mas o setor varejista não vai conseguir manter o nível de desempenho do ano passado”, analisa.
A economista destaca que a falta da vacina e o isolamento não mais eficaz faz com que o ano seja de incerteza. “O mantra principal é vacina, vacina, vacina. Sem um planejamento de vacinaçao abrangente, não daremos conta do recado”, ressalta.
Uma luz no fim do túnel, que pode antecipar a imunização da população, é o movimento liderado pela empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza. Batizado de “Unidos pela Vacina” tem como meta facilitar a distribuição de doses para que todos os brasileiros estejam imunizados até setembro. A ideia é, junto com um grupo de empresários, resolver problemas como falta de insumos, seringas, agulhas ou facilitar o transporte das vacinas.
Ana Maria diz que, se isso realmente acontecer, o setor de serviços pode ser o impulsionador de uma retomada a partir da conclusão da vacinação e a economia comece a reagir. “Mesmo que isso aconteça, não haverá explosão de consumo e de crescimento este ano, mas já traz uma perspectiva. O setor de serviços e a construção podem puxar uma recuperação”, explica.
Com vacinação e economia retomando, a economista avalia que o País poderá voltar a atrair investidores estrangeiros. Com o mundo voltando a crescer, o Brasil poderá ser um candidato a captar recursos e teremos capacidade de ter um ritmo melhor de crescimento, “Mas isso tudo, hoje, está distante de nós”, lamenta.
A economista observa que, se este ano, o PIB ficar no patamar que ficou no último trimestre de 2020, já garantirá um crescimento para a economia brasileira de 3,5%. Não crescer nada já seria crescer. Mas há uma expectativa de queda do PIB nos primeiros três meses do ano e a discussão é se a retração continuará no segundo trimestre. “Quão abrangente será a vacinação, como vamos lidar com os desafios que temos são questões que estão em alerta”, finaliza.
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